sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

A perda dos valores da infância

Severn Suzuki, ativista ambiental. Fonte: http://goo.gl/ulJLV

O post de hoje é para você que, quando criança, sonhou em mudar o mundo. Para você que já quis ser um super-herói, a fim de acabar com todo o tipo de injustiça que existe na sociedade e ajudar as pessoas. Acredito que ao menos 95% das pessoas já se encaixaram,  em algum momento da vida, em um desses perfis. Pois eu ainda sonho, mesmo hoje, em mudar o mundo.

Quando criança, eu já era, digamos, muito revoltada com os absurdos que cometiam contra o meio ambiente, noticiados na tv. Tinha raiva de quando maltratavam algum animal, não suportava ver uma árvore derrubada, muito menos uma floresta inteira desmatada. Talvez alguns de vocês se identifiquem, e lembrem que também não gostavam de ver alguém atirando pedra em passarinho, por exemplo. Mas a raiva e a tristeza que eu sentia quando via cenas de um ser humano atentando contra algum animal, alguma árvore ou a uma floresta inteira era tanta, que eu chegava a chorar. Sim, mesmo com meus oito anos de idade, eu já chorava quando via na tv que uma queimada havia arrasado um fragmento de mata inteiro. Era inexplicável. A sensação de impotência, que sinto em muitos momentos ainda hoje, já me perseguia naquela época. As pessoas arrasavam quilômetros de árvores na Amazônia e eu estava aqui, no interior de São Paulo, sem poder fazer nada.


Um certo dia, após me revoltar mais uma vez com o desmatamento na Amazônia, resolvi escrever uma carta para o presidente Lula. Estávamos em 2003, eu tinha 11 anos na época. Com um nó na garganta, o rosto encharcado de tanto chorar, escrevi umas cinco páginas em folhas de caderno. No final da minha carta, eu já estava mais calma, e pensando melhor em tudo que escrevia. Quando acabei, já não chorava, mas já não queria mais mandar a carta. Fui tomada por um profundo desânimo. Olhei para a carta e pensei: "Será que ele, ao menos, se dará ao trabalho de ler a carta de uma criança? Isso nem vai chegar nas mãos dele. Vai passar por um monte de gente, e ele nunca vai saber da minha existência". Acabei arquivando minha extensa carta. Alguns anos depois, me livrei do caderno e, infelizmente, a carta foi junto, pois já nem lembrava mais dela. Gostaria de poder vê-la hoje em dia, e lembrar de tudo que passou pela minha cabeça aos 11 anos de idade.

Provavelmente, a Silvania de 2002 não é tão diferente da Silvania de hoje. Ainda hoje choro com desmatamentos e animais maltratados. A diferença é que as dificuldades das pessoas também me atingem, atualmente. Me entristece ver a pobreza extrema de uns, e a falta de preocupação com o próximo de outros. Me revolta ver que, no Brasil, existe mais preocupação com carnaval do que com a nossa educação, saúde e segurança. Não suporto ver crianças indo estudar em uma escolinha muito humilde, sem merenda, sem livro, com os pés descalços, pois nem dinheiro para comprar sapato tem, enquanto que outras têm o direito de frequentar escolas de ponta e entrar nas melhores universidades e faculdades do país, porque os pais podem pagar por isso. Uns nascem privilegiados, outros nascem com o azar de ter que contar com o nosso governo para tudo. Um governo que adora falar em números, crescimento de riqueza, mas que, de maneira nenhuma, pode falar em desenvolvimento.

Eu não penso só no Brasil. Me choca ver, também, crianças no Haiti comendo barro com manteiga, para não morrerem de fome. É inaceitável, para mim, que milhões sejam investidos em pesquisas para o tratamento e cura de doenças que atingem os países de primeiro mundo, enquanto que poucos se interessam pelas doenças tropicais, as chamadas DTN (doenças tropicais negligenciadas), tudo porque estas atingem populações que vivem em pobreza extrema, sem voz política, e parece ser mais fácil simplesmente ignorar a existência delas. É inacreditável que alguém possa trabalhar como escravo, no século XXI, mas estas pessoas existem, em todo mundo, inclusive no Brasil. 

Como vocês podem ver, são vários os motivos para me fazer surgir um nó na garganta. Mas, o que mais me aflige, é o fato da maioria das pessoas não se darem conta dessa injustiça toda, ou então, simplesmente ignorá-la. Este é um dos motivos para eu ter criado esse blog: conscientização. Quero atingir o maior número de pessoas possível, quero escancarar a nossa realidade, os fatos que ninguém vê, para todos vocês que acessam esse espaço.

Todo esse relato da minha visão de mundo, caros leitores, é para mostrar a vocês como as pessoas mudam quando crescem. Todos crescem ouvindo que roubar é feio e que não pode xingar ou bater no amigo. Porém, é comum ouvir um adulto debochando de alguém que apareceu nos noticiários porque devolveu os milhares de dólares que achou em um banheiro ao legítimo dono. Eu ouço essas pessoas serem chamadas de idiotas, de trouxas. O que aconteceu com a criança que sabia que pegar o que não é seu é errado?

O jeito que as pessoas se comportam e encaram o mundo, quando adultas, é incompreensível. O deputado Fulano de Tal é corrupto, a população diz que é normal, pois ele é político. Pessoas são expulsas de maneira violenta de suas casas, sem tempo nem para pegar pertences, tratadas como marginais. "Nada mais justo", a sociedade diz, "se essas pessoas invadiram o terreno onde moram, são bandidas mesmo". Esse foi o argumento que mais ouvi vindo da população, no conhecido caso do Pinheirinho. É curioso notar que, essas mesmas pessoas, não enxergam o dono do terreno, responsável pela quebra da bolsa de valores do Rio de Janeiro, acusado de lavagem de dinheiro, como um grande bandido também. Este senhor anda em liberdade por aí, sem que ninguém o trate como "vagabundo".

Os políticos resolvem aumentar seus salários. "Coisa de político", diz a população. Policiais entram em greve, e a mídia, e governo e o restante das pessoas acham isso um absurdo. O governo, preocupado com prejuízos ao movimento do carnaval, faz de tudo para coibir a ação desses policiais: oferece um aumento vergonhoso, põe toda a mídia e o povo contra estes homens, prende alguns, ameaça demitir outros. Os grevistas cedem com a pressão, e a população respira aliviada, vendo o carnaval próximo. Tudo parece normal aos olhos da maioria.

Um cachorro é morto a pauladas, e muitos dizem que as pessoas devem se preocupar com coisas mais importantes, como o desmatamento em nossas florestas. E, no fim, ninguém se preocupa nem com um, nem com outro. Não seria mais "humano" se preocupar com ambos os fatos? Não me parece certo que um animal seja maltratado, tampouco que uma floresta inteira seja ameaçada.

Eu poderia ficar o dia inteiro aqui mostrando o quanto as pessoas podem ser absurdas. Porém, o meu propósito é que você reflita e lembre-se de quando era criança, da época em que você acreditava que todo mundo tinha que ser correto, porque foi assim que seus pais lhe ensinaram. De como ficava satisfeito quando o vilão, que fazia mal a alguém por dinheiro, tinha um final ruim na história. É assim que deveria ser, no mundo atual. Mas o próprio dinheiro, a ganância e a convivência com o que é errado mudam a cabeça de alguns. E, aquele herói que queria salvar o mundo, hoje quer simplesmente encher seu bolso o máximo que puder. 

Não adianta ver o filme do Avatar com o filhinho, mostrar para ele que derrubar uma árvore com elevada importância para a sobrevivência de um povo é errado, e que essas pessoas e a árvore são muito mais importantes do que o dinheiro, para depois encher a boca e defender Belo Monte, argumentando que "deve-se pensar na maioria que será beneficiada". As pessoas aprendem a se comportar corretamente quando crianças, desaprendem quando adultas, ensinam bons valores aos filhos e a sociedade espera que estes também esqueçam o que aprenderam. E, assim, todos os dias, se perdem verdadeiros "heróis", que poderiam mudar radicalmente a sociedade em que vivemos.

Para finalizar, quero deixar a vocês mensagem que a canadense Severn Suzuki proferiu à grandes líderes mundiais na Eco 92, evento realizado para discutir problemas ambientais e o papel de cada país no aquecimento global. Na época, Severn tinha apenas 13 anos de idade, e estava representando um grupo ambientalista do Canadá (Environmental Children's Organization) formado por ela e outras crianças, para discutir questões ambientais. Muitos, provavelmente, já viram o vídeo, mas a maneira como a menina conseguiu calar todo o salão, utilizando-se de suas palavras maduras, sinceras e ditas com tanta certeza, merece ser relembrada.


Severn e outros membros de sua organização ainda continuam na luta por um mundo melhor. Hoje, ela é ativista ambiental, formada em Ecologia e Biologia evolutiva, autora e membro do painel sobre Meio Ambiente das Nações Unidas. A menina da Eco 92, hoje na altura dos seus 33 anos, não parou de sonhar e de lutar por um mundo melhor para todos. Ela, muitos outros que buscam melhorar as condições da sociedade e do meio ambiente, são a prova de que os valores de uma criança não são utópicos, e nunca devem se perder. Esses valores, que aprendemos muito cedo, poderiam salvar o mundo, se fossem aplicados por todos quando adultos.

4 comentários:

  1. Uma verdadeira realidade....artigo impecável, o mundo realmente poderia está numa melhor situação e condições se determinados valores fossem colocados em práticas e não esquecidos ao meio a uma cultura totalmente contrária do que somos..

    abração

    Roger

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    Respostas
    1. Exato Roger! São valores que todos aprendem desde pequenos, mas poucos colocam em prática quando adultos. Não posso querer um mundo melhor para mim se não colaboro para melhorá-lo, não é mesmo?
      Abraços e obrigada!

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  2. adorei o site...já tinha visto esse vídeo, mas as postagens e textos seus são maravilhosos...Parabéns!!!!

    Mude o mundo, comece com as suas atitudes!

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    Respostas
    1. Muito obrigada!

      Demorei a responder sua mensagem, mas são retornos assim que não me permitiram abandonar o blog! Assim como vc, também acredito que as atitudes de cada um podem mudar o mundo :)

      Abraços, e não deixe de visitar o Relatos ;)

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