terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A usina hidrelétrica de Belo Monte, parte II - a questão econômica

Fonte: http://goo.gl/nTBB6

Hoje, daremos continuidade à série de postagens sobre a usina hidrelétrica de Belo Monte. Na semana passada, discutimos o lado social do projeto, falando dos impactos aos indígenas e outras comunidades que vivem na região atingida pela pela construção da usina. Nesta postagem, discutiremos a questão econômica.

Seguindo o modelo da postagem anterior, mostrarei aqui alguns pontos de vista favoráveis, e explicarei porque não concordo com eles, argumentando com citações contrárias ao projeto. Para começar, algumas palavras da própria Norte Energia, responsável pela construção e operação do projeto:

Fonte: Blog Belo Monte
Vemos neste trecho que a Norte Energia defende seu projeto como econômico, comparado a qualquer outra fonte energética. Vejamos, agora, o que diz Célio Bermann, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (USP), doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Universidade de Campinas (Unicamp) e um dos maiores especialistas do Brasil na área energética, em uma entrevista cedida para a revista Época, sobre os números de Belo Monte (iremos discutir as outras alternativas energéticas mais adiante):

"[...]  Em 2006 o projeto foi anunciado com um custo de R$ 4,5 bilhões. Você sabe, as cifras avançaram violentamente. Antes de ir para o leilão, a usina foi avaliada em R$ 19 bilhões. Foi feito o leilão e se definiu um custo fictício de geração de energia elétrica de R$ 78 o megawatt-hora.
- Por que fictício?
Bermann - Fictício porque esse custo não remunera o capital investido. É por isso que várias empresas caíram fora do empreendimento, sob o ponto de vista da geração da energia elétrica. Mas as grandes empreiteiras estão presentes, porque não é na venda da energia elétrica, mas sim na obra que se dá uma parte significativa da apropriação da renda. Com o consórcio constituído com 50% entre Eletrobrás e Eletronorte, as empreiteiras voltaram para fazer a obra. A elas interessa a obra – e não ficar vendendo energia elétrica. Essa situação é entendida pelos dirigentes, pelo governo, como normal. Para o governo federal, é uma parceria público-privada que está dando certo. Em que termos? A obra hoje está oficialmente orçada em R$ 26 bilhões. Imagine, de R$ 4,5 bilhões para R$ 26 bilhões...
- Em cinco anos, o valor da obra avançou em mais de R$ 20 bilhões?
Bermann – Oficialmente está hoje orçada em R$ 26 bilhões. Mas existem estimativas de que não vai sair por menos de R$ 32 bilhões. Isso sem falar em superfaturamento. 
- Deste valor, quanto sairá do BNDES, ou seja, do nosso bolso?
Bermann – Oitenta por cento da grana para isso é dinheiro público. O que estamos testemunhando é um esquema de engenharia financeira para satisfazer um jogo de interesses que envolve empreiteiras que vão ganhar muito dinheiro no curto prazo. Um esquema de relações de poder que se estabelece nos níveis local, estadual e nacional – e isso numa obra cujos 11.200 megawatts de potência instalada só vão funcionar quatro meses por ano por causa do funcionamento hidrológico do Xingu."

Fonte: Revista Época, em 31/10/2011

Bermann, deste modo, mostra que o preço ofertado pela energia gerada em Belo Monte, de aproximadamente R$ 78,00 o megawatt-hora, é ilusório, pois não pagaria nem o capital investido em sua construção. Deste modo, o interesse econômico na usina não consiste no preço competitivo da energia gerada, mas sim, nos valores arrecadados para sua construção. Ou seja, um grande negócio para o governo  e para as empreiteiras envolvidas, já que há estimativas de que a obra não saia por menos de R$ 32 bilhões, sendo 80% financiado por dinheiro público.

Abaixo, temos uma nota técnica elaborada pela advogada Mary Lúcia Xavier Cohen, integrante da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, Comissão Estadual de Erradicação ao Trabalho Escravo e Comissão Justiça e Paz e da CNBB Norte 2. Mary elaborou a nota consultando fontes bibliográficas e estudos feitos por especialistas:

"A inviabilidade surge também após a análise dos muitos danos socioambientais a serem suportados, que geram a inviabilidade econômica do projeto. Estudos sugerem um mínimo de quinhentos milhões de dólares anuais (SANTOS, HERNANDEZ [Org.], 2009, P.135) gerado pelas várias externalidades sociais e econômicas que, invariavelmente, se agregam ao valor do projeto e desaconselham a sua implantação. Este valor é aquele que se traduz do Estudo Prévio de Impacto ambiental que não aborda alguns impactos relevantes, que se levados em conta aumentam este valor para, pelo menos, oitocentos milhões de dólares anuais."

Mary demonstra os gastos financeiros que virão em consequência à construção da usina, ao longo do tempo, cujos valores são exorbitantes e não são levados em consideração no projeto. Quem arcará com os custos adicionais? Mais uma vez, a população.

Outro argumento favorável à construção da usina e amplamente divulgado é a necessidade de se expandir o fornecimento de energia elétrica ao país, e, para isso, pode-se utilizar o grande potencial energético oferecido pelo rio Xingu. É o que diz a Norte Energia: 

Fonte: Blog Belo Monte
Sobre a necessidade de se ampliar o fornecimento energético devido à necessidade de desenvolvimento, temos ainda a opinião favorável ao projeto de Luiz Pinguelli Rosa, diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe-UFRJ), e ex-presidente da Eletrobrás: 

"Para o professor (Pinguelli), do ponto de vista social, há uma saída para a construção das hidrelétricas. A perturbação provocada nas áreas de impacto da usina pode ser compensada como uma alternativa às famílias afetadas. ''É um problema real', diz o professor. 'Elas moram ali e precisam sair. Agora, tem que ser para melhor. A conservação da pobreza, para mim, é uma patifaria. É muito cômodo eu estar aqui cheio de eletricidade, com computador ligado, viajando de avião várias vezes ao ano, enquanto no Norte fica todo mundo comendo folha e caçando minhoca. Isso é deplorável. As pessoas têm que sair desse nível primitivo de vida e passar a integrar o mundo moderno. Não precisa comprar automóvel, nada disso, mas tem que ter educação, saúde, eletricidade em casa, habitação decente.'”
Fonte: Carta Capital, em 11/08/2011

Em primeiro lugar, não posso deixar o comentário de Pinguelli passar despercebido. Realmente, essa é a visão do professor sobre a região Norte do país? Um lugar onde todo mundo come folha e caça minhoca, vivendo em um nível primitivo de vida? Sinceramente, a partir do momento em que li este trecho, a sua opinião não valeu de mais nada para mim. Uma pessoa que acha que Belo Monte é a única salvação de "um povo que vive comendo minhoca" não tem moral para falar absolutamente nada. Primeiro: instalar uma usina hidrelétrica não deve ser a solução para qualquer problema que envolva a desigualdade social, a educação, a habitação, a saúde e até mesmo a distribuição elétrica neste país. Isso é dever do governo, construindo usina ou não. Boas condições de vida não dependem de uma hidrelétrica ao lado de casa, dependem de investimentos nos setores que necessitam. Segundo: Pinguelli revelou uma visão totalmente distorcida da região Norte do país. Creio que o professor quis dizer que só há índios e outros povos tradicionais vivendo na região. Mesmo que houvesse somente índios, seu modo de vida não é, de forma alguma, ruim ou primitivo (característica utilizada pejorativamente pelo professor). A cultura desses povos, seu modo de vida, é extremamente rico. O que falta para eles são boas condições para se viver. E um "mundo moderno" não é representado por moradia, educação e saúde de qualidade. Esses são direitos básicos de qualquer pessoa, seja índio, seja branco, seja negro, seja pobre, seja rico. Não é nenhum luxo de um mundo moderno.

Quanto às declarações da Norte Energia, novamente a advogada Mary Lúcia argumenta:

"O discurso dos defensores da implantação do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte, no rio Xingu baseia-se, em grande parte, nos benefícios econômicos que a obra traria ao local de implantação do projeto e ao país, como um todo. Neste ponto, focam principalmente no grande potencial energético a ser explorado na região, bem como na necessidade de se ampliar o fornecimento de energia à região Norte, em expansão, bem como novamente ao próprio país.
O grande potencial energético da região, tal qual apontado no discurso, ignora fato conhecido da população da região, e já avaliado por estudos técnicos: o rio Xingu conta com grande variação de vazão durante alguns meses do ano, variação esta que compromete a geração de energia durante pelo menos quatro meses, meses de seca sazonal experienciado por qualquer rio, mas que no caso do rio Xingu, tem a especial característica de diminuir sua vazão nos meses de seca em até 98% da vazão que ele possui nos meses de cheia.
Comparando-se os números de vazão d'água dos rios: o mais volumoso, o Amazonas já teve registros, em Óbidos, antes de receber o Tapajós e o Xingu, de mais de 200 mil m³/segundo. O Xingu não é dos maiores afluentes do Amazonas, mesmo assim, o patamar dos seus números indica o dobro da vazão nas cheias do rio São Francisco (de 11 a 12 mil m³/ s no trecho das usinas de Paulo Afonso) e um patamar bem acima do que as do rio Paraná em Itaipu (cheias de 20 a 22 m³/s). Mas o Xingu é rio que seca rápido e que pode permanecer muito tempo bem abaixo, quatro meses, digamos. Vejamos, por exemplo, os valores medidos lá na cidade de Altamira, Pará, no trecho quase final do rio Xingu, com sua vazão praticamente toda formada:

  • as médias mensais ficam abaixo de 1.000 metros cúbicos de água por segundo [1.000 m³/segundos]
  • os valores mínimos são entre 450 a 500 m³/s em Setembro e Outubro
  • as médias mensais altas são acima de 25 mil m³/segundo
  • picos de cheia registrados ou extrapolados acima de 30 mil m³/segundo.

Mary relata que o projeto está fadado ao fracasso, mostrando diversos dados que comprovam que o tal "grande potencial hidrelétrico do rio Xingu" existe somente por alguns meses do ano, sendo drasticamente reduzido em épocas de seca. O projeto pode ser viável? Digamos que sim, com algumas alterações, como afirma Bermann: 

"Divulgaram que esta será a única usina do Xingu. Inclusive, houve um seminário recente aqui na USP em que tive a oportunidade de discutir com o Mauricio Tolmasquim (presidente da Empresa de Pesquisa Energética, ligada ao Ministério de Minas e Energia). E ele veio com essa ladainha: “Vai ser a única...”. E eu disse a ele: “Com o perdão do poeta, o que você está afirmando, somente de papel passado, com firma em cartório e assinado: Deus”.
- O senhor não acredita que será a única usina do Xingu, então?
Bermann – Me diga alguma coisa no nosso país que vigorou como cláusula pétrea. Me fale alguma coisa aqui no nosso país que foi dito de uma forma e se manteve ao longo do tempo. VAI ser necessário construir outras usinas. No atual projeto, esta é uma usina que vai funcionar à plena carga, no máximo, quatro meses por ano, por causa do regime hidrológico. Se ela estiver sozinha, o volume de água para rodar as turbinas dependerá da quantidade de chuva. E aquela região tem a seguinte característica: quando chove, quando tem água, quando desce a água dos tributários para o Xingu é muita água, é um volume enorme de água. Mas isso só acontece durante quatro meses por ano. Só nesse período os 11.200 megawatts vão estar operando. Em outubro, na época da estiagem, será apenas 1.100 megawatts, um décimo. Então, a pergunta é: por que construir uma usina desse porte, se, na média anual, ela vai operar com 4.300 megawatts? Necessariamente vão vir as outras quatro. Eu estou afirmando isso, infelizmente. Tecnicamente, eu tenho absoluta certeza. Porque as usinas rio acima vão segurar a água e aí Belo Monte não vai depender da quantidade de chuva. É o único jeito dessa potência instalada de 11.200 megawatts existir de fato.
- O senhor está dizendo que o governo federal está mentindo ao afirmar que será apenas uma usina, para conseguir vencer as resistências ao projeto e aprová-la, e depois fará mais três ou quatro?
Bermann – Estou dizendo que, da forma como esta usina está colocada, é uma aberração técnica tão grande que é totalmente ilógico construí-la."
Fonte: Revista Época, em 31/10/2011

É para no mínimo gerar dúvidas, portanto, quando o governo afirma que será a única usina. Para mim, fazer tal declaração é duvidar da nossa inteligência. Se realmente for construída uma única usina, será um prejuízo tremendo e muito dinheiro jogado ao vento (ou melhor, no bolso das empreiteiras). Se forem construídas mais usinas, o impacto será imenso, tanto ao meio ambiente quanto à população local. A área alagada será muito maior, as pessoas atingidas serão multiplicadas. Neste caso, ainda assim, será que valeria a pena investir em um projeto tão caro e com tanto impacto social e ambiental? Vamos analisar o porquê dessa imensa necessidade energética para o desenvolvimento do país. Os trechos a seguir, retirados da entrevista de Bermann, são extensos, mas vale a pena ler:

"- O senhor costuma usar a expressão “Síndrome do Blecaute” para se referir ao pânico da população de ficar à luz de velas devido a um apagão energético. Acredita que essa “síndrome” é manipulada pelo governo federal e pelos grandes interesses empresariais para emprestar um caráter de legitimidade a megaobras como Belo Monte?
Bermann – O que eu tenho chamado de "Síndrome do Blecaute" conduz à legitimação de empreendimentos absolutamente inconsistentes. Belo Monte, como foi provado pelo conjunto de cientistas que se debruçaram sobre o tema (painel dos especialistas), é uma obra absolutamente indesejável sob o ponto de vista econômico, financeiro e técnico. Isso sem falar nos aspectos social e ambiental. Mas se dissemina uma ideia do caos e, hoje, há 77 projetos de usinas hidrelétricas somente na Amazônia que utilizam a "Síndrome do Blecaute" para se viabilizarem. O fato de hoje o aquecimento global dominar a mídia e o senso comum, assim como a própria academia, ajuda a mostrar a hidroeletricidade como uma grande maravilha, independentemente do lugar em que a usina vai ser construída e dos impactos que ela vai causar. Mas o que é preciso compreender e questionar? Hoje, seis setores industriais consomem 30% da energia elétrica produzida no país. Dois deles são mais vinculados ao mercado doméstico, que é o cimento e a indústria química. Mas os outros quatro têm uma parte considerável da produção para exportação: aço, alumínio primário, ferroligas e celulose.
- As chamadas indústrias eletrointensivas...
Bermann – Isso. Eu não estou defendendo que devemos fechar as indústrias eletrointensivas, que demandam uma enorme quantidade de energia elétrica a um custo ambiental altíssimo. Mas acho absolutamente indesejável que a produção de alumínio dobre nos próximos 10 anos, que a produção de aço triplique nos próximos 10 anos, que a produção de celulose seja multiplicada por três nos próximos 10 anos. E é isso que está sendo previsto oficialmente.
- O que poucos parecem perceber e menos ainda questionam, quando essas metas são comemoradas, é a forma como o Brasil está inserido no mercado internacional em pleno século XXI. O quanto o fato de nossa economia estar baseada na exportação de bens primários tem a ver com a necessidade de grandes hidrelétricas?
Bermann – Desde a ditadura militar, passando pela redemocratização, pelos sucessivos governos até FHC, tem sido assim. Nós imaginávamos que, com Lula, essa questão ia ser reorientada. Porque o programa de governo em que eu me envolvi preconizava a necessidade dessa mudança. E o que aconteceu? Se você comparar os dados de 2001 com os dados de 2010, vai constatar que a economia brasileira está se primarizando cada vez mais. Isto é: cada vez mais são produzidos no Brasil bens industriais primários, sem agregação de valor. E são justamente os bens primários que consomem muita energia e geram pouco emprego. Além disso, satisfazem uma demanda marcada pelo consumismo. E o Brasil se mostrou incapaz de dizer: "Não, nós não vamos fazer isso".
- E depois esses produtos retornam para o Brasil, via importação, com valor agregado...
Bermann – É. Eu sempre chamo a atenção para o fato de que, do alumínio primário que o Brasil produz, 70% é exportado. E o alumínio consome muita energia. Para se pegar um barro vermelho, que é a bauxita, e transformá-la em alumínio, é preciso um processo de produção extremamente devastador sob o ponto de vista ambiental. Há um primeiro refino para obter a alumina, que é um pó branco. Esse pó branco tem como consequência ambiental uma borra chamada de “lama vermelha”. Um ano atrás, na Europa, na Hungria, houve uma catástrofe em função do rompimento de uma barragem que continha essa lama vermelha e tóxica. Ela se espalhou pelo Rio Danúbio e foi um horror. E cada vez mais se faz isso no nosso país – e, claro, não se faz mais isso nos países centrais. Isso não está acontecendo agora no Brasil, está acontecendo desde os anos 70."
Fonte: Revista Época, em 31/10/2011

Este é o centro da discussão, para mim. Responde àqueles que tanto falam que "o Brasil precisa se desenvolver", incluindo o próprio governo e a Norte Energia, e que, deste modo, acham que justificam o projeto. Não é novidade para ninguém que a economia brasileira se baseia na exportação de bens primários, incluindo as indústrias citadas por Bermann, as eletrointensivas, correto? Portanto, ao incentivar a construção de Belo Monte, incentiva-se a continuação desse modelo de desenvolvimento econômico: a continuação de exportação de bens primários que consomem altas taxas de energia em sua produção. Além disso, essa atividade gera poucos empregos, é devastadora ao meio ambiente e os produtos possuem pouco valor agregado. Essas indústrias são as grandes consumidoras de energia do país, na realidade. Bermann cita o caso do Japão, que chegou a ter um montante de produção anual de alumínio semelhante ao nosso, atualmente. O que o país fez? Recuou, mas sem deixar de se desenvolver, mantendo o crescimento da sua economia, sem prejuízos:

"[...]Não estou dizendo para fechar as fábricas de alumínio, de aço e de celulose no Brasil. O que estou dizendo é o seguinte: parem de ampliar a produção. Parem, porque diversos países desenvolvidos já fizeram isso. O Japão fez mais do que isso. O Japão produzia, em 1980, 1,6 milhões de toneladas de alumínio. Nós estamos produzindo quase 1,7 milhões de toneladas hoje. Só que a energia elétrica necessária para produzir alumínio tornou-se da ordem do absurdo. Então o governo japonês, as empresas japonesas produtoras de alumínio e os trabalhadores da indústria do alumínio realizaram um debate que culminou com o fechamento de todas as usinas de produção de alumínio primário no Japão, exceto uma. Isso ainda nos anos 80. Hoje, o Japão produz apenas 30 mil toneladas. De 1,6 milhões para 30 mil toneladas. Diante da necessidade de gerar muita energia para produzir alumínio, o que o Japão fez? O governo e a sociedade japonesa disseram: “Vamos priorizar a eficiência, o maior valor agregado. Nós não precisamos produzir aqui. Tem o Brasil, tem a Venezuela, tem a Jamaica, tem os lugares para onde a gente pode transferir as plantas industriais e continuar a assegurar o suprimento para a nossa necessidade industrial. A gente pega esse alumínio, agrega valor e exporta na forma de chip. Parece uma coisa tão besta, né? Mas foi isso o que os japoneses fizeram. Eles mantiveram o crescimento econômico e reduziram a demanda por energia. Nós estamos caminhando no sentido inverso. Estamos aumentando o consumo de energia a título de crescimento e desenvolvimento, e, numa atitude absolutamente ilógica, porque a gente exporta hoje a tonelada de alumínio a US$ 1.450, US$ 1.500 dólares. E, para se ter uma ideia, hoje falta esquadrias de alumínio no mercado interno, no mercado de construção brasileiro. O preço foi aumentado por indisponibilidade. Hoje, e fizemos um estudo recente sobre isso, é preciso importar esquadrias de alumínio porque a oferta no mercado interno é insuficiente. E, enquanto o Brasil exporta o alumínio por US$ 1.450, US$ 1.500, o preço da tonelada de esquadria importada é o dobro: cerca de US$ 3 mil a tonelada."

Fonte: Revista Época, em 31/10/2011


Este é o Brasil de hoje: gasta-se energia em demasiado, para produzir bens primários que voltam ao país com o dobro do valor. Temos uma demanda interna para ser atendida, porém, o Brasil ainda se volta para esta atividade pouco lucrativa, com produtos de pequeno valor agregado. Não seria mais inteligente atender esta demanda e exportar produtos mais lucrativos para o país, consumindo menos energia elétrica, produzindo mais empregos e impactando menos o meio ambiente? É este o modelo de desenvolvimento que quero para o país: um modelo inteligente e sustentável a longo prazo.

Voltamos, agora, às outras alternativas energéticas que temos disponíveis. Argumenta-se que o custo da energia elétrica produzida em Belo Monte é bem menor do que o custo da energia advinda de outras fontes. Realmente, no modelo de desenvolvimento atual, isto faz todo o sentido: 

"- Além de ser um modelo de desenvolvimento que prioriza a exportação de bens primários, sem valor agregado, é também um modelo de desenvolvimento que ignora o esgotamento de recursos. Enquanto tem, explora e lucra. Alguns poucos ganham. O custo socioambiental, agora e no futuro, será dividido por todos...
Bermann – Isso. Os recursos naturais são limitados. Por isso, no meu ponto de vista, a discussão do aquecimento global obscurece o entendimento da hidroeletricidade em particular. Ficamos às cegas. Para transformar o barro da bauxita naquele pó branco do alumínio, que depois é fundido através de uma corrente elétrica, é uma quantidade de energia enorme, absurda. Essa possibilidade você não vai conseguir com energia solar, com energia eólica. São processos produtivos que exigem a manutenção do suprimento de energia elétrica 24 por 24 horas. A solar não consegue fazer isso na escala necessária. Uma tonelada de alumínio consome 15 a 16 mil kilowatts-hora. Para se ter uma ideia, na média, o consumidor brasileiro consome, por domicílio, 180 kilowatts-hora por mês, o que é baixo. Nós ainda estamos vivendo uma situação muito próxima da miserabilidade em termos energéticos para a população. Nós temos uma demanda a ser satisfeita com equipamentos eletrodomésticos. Satisfeita não construindo grandes usinas hidrelétricas para as empresas eletrointensivas, mas para conseguirmos equilibrar a qualidade de vida, que se deve fundamentalmente a uma herança histórica: a de sermos um dos países com a pior distribuição de renda do mundo.
- Uma das piores distribuições de renda e uma das piores distribuições de eletricidade do mundo...

Bermann – Eu chamo o programa de universalização de "Luz para quase todos". Não é para todos, é para quase todos. Desde que estejam próximos da rede para extensão, tudo bem. Mas, para o sujeito distante, só agora é que se começa a pensar em sistemas de produção descentralizada. A percepção ainda é, infelizmente, de pegar e estender a rede. Mas o custo de extensão da rede é muito alto. Principalmente, se você pegar e atravessar 15 quilômetros para atender duas, três casas. O lógico seria a adoção de energia descentralizada em escala menor, que seja mais bem controlada pela população. Mas isso não passa pela cabeça porque define inclusive uma outra relação social. Eu também chamo esse programa de “Conta de luz para todos”, porque de repente você fica refém de uma companhia e necessariamente paga conta de luz, quando você poderia criar uma situação de autonomia energética."

Fonte: Revista Época, em 31/10/2011

Assim, entende-se que para uma economia sustentada na produção de bens primários, que consomem muita energia em sua produção, logicamente energia solar ou eólica não pode dar conta. No entanto, volto a perguntar: não é mais inteligente mudar o atual modelo econômico do que sustentá-lo? Assim, pode-se diversificar a nossa matriz energética. Bermann citou, também, que uma das soluções seria descentralizar a produção energética, para que moradores de uma comunidade distante produzissem sua própria energia, reduzindo custos. Mas um projeto do tipo, infelizmente, quebra interesses de muitas pessoas. Mesmo existindo a possibilidade dessas comunidades produzirem sua própria eletricidade, que companhia elétrica gostaria de deixar de lucrar, perdendo consumidores que não precisam mais pagar para ter energia? Por isso, o assunto é tão pouco discutido.

Bermann cita algumas alternativas energéticas:


"Depende muito do acesso à tecnologia existente no local ou na região. Hoje, por exemplo, temos no Rio Grande do Sul uma experiência de queimar casca de arroz para gerar energia. O calor da queima da casca de arroz aquece a água, a água se transforma em vapor e esse vapor é injetado num tubo e gira uma turbina produzindo energia elétrica. Não tem nada de fantástico nisso, esse processo é conhecido há muito tempo, mas, puxa vida, eu estou tão acostumado a simplesmente acender e apagar o botão... Vou ficar agora me preocupando se tem combustível? Existe um lado meio trágico da população em geral que é o comodismo: deixa que resolvam por mim. Então, quando você me pergunta sobre alternativas, depende do que a gente está falando. Existem alternativas promissoras deixando de produzir mais mercadorias eletrointensivas. Como também é promissor ter esquemas de financiamento para que o pequeno empresário adquira um painel fotovoltaico (placa que transforma luz solar em energia elétrica) ou uma usina de geração eólica (transformação de vento em energia elétrica). E use essa tecnologia que está disponível para satisfazer as suas necessidades, sem necessariamente ficar ligado a uma grande linha de transmissão, de distribuição, puxando energia não sei de onde."

Fonte: Revista Época, em 31/10/2011


A advogada Mary Lúcia aponta alguns estudos, afirmando que o investimento em melhorias na rede elétrica  e nas próprias usinas existentes já poderia barrar a necessidade de se construir uma nova usina:

"Diante desse quadro, aponta-se ainda que, longe de ser a única alternativa energética apresentada, existem soluções menos danosas e muito menos custosas para melhorar a oferta de energia no Brasil, surgidas da reelaboração da política energética já adotada no país com o fito de garantir uma maior eficiência dos meios de geração de energia elétrica no Brasil.
Já foi apontado que a repotenciação de usinas hidrelétricas, método que envolve a adequação, correção e modernização de turbinas e geradores para aumentar a sua capacidade e eficiência, garantiriam, até 2020, a geração de mais de 15 GW, ou seja, 15.000MW (WWF, 2007, p. 31), valor que ultrapassa em muito o número estimado como média de produção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, de aproximadamente 4.8 MW (2).
Pode-se, ainda, reduzir a perda na transmissão e distribuição dessa energia gerada, que, conforme o estudo apresentado na Agenda Elétrica Sustentável, feito pela WWF, representa de 16 a 17% da energia gerada, valor significativo se comparado com a perda de 8% vivenciada pelos Estados Unidos da América, país de extensão tão considerável quanto a do Brasil. Os investimentos nesta área se justificam porque tal medida influencia enormemente no aumento da energia a ser oferecida.[...]  Diversificar as fontes é diminuir a dependência do Brasil da energia hidráulica e consequentemente eliminar as chances de passar por um colapso energético como aquele prenunciado em 2001."

Acredito que, com este longo post, consegui demonstrar por que a construção desta usina também é economicamente inviável. Há muitos interesses envolvidos, e estes não se referem ao bem-estar da população. Todo o projeto baseia-se em política e lucro (não para os cofres públicos):

"  - Quem perde a gente já sabe. Agora, quem ganha, além das empreiteiras envolvidas na obra?
Bermann - Há as pessoas que ganham pela obra - fabricantes de equipamentos, empreiteiras. E há quem ganhe não financeiramente, mas politicamente, por permitir que essa articulação seja possível, porque é esse pessoal que vai bancar a campanha para o próximo mandato. É a escolinha ou o posto de saúde que eventualmente aquele vereador, aquele prefeito vai dizer: "É obra minha!". É isso que está em jogo. É dessa forma que a cultura política se estabelece hoje no nosso país. Isso precisa mudar. Como? É complicado."
Fonte: Revista Época, em 31/10/2011

Para finalizar, gostaria de mostrar a vocês as declarações do nosso ministro de Minas e Energia, o senhor Edison Lobão: 

"Em discurso para abertura do Seminário Gás Natural - A Lei do Gás e o Planejamento de Expansão da Malha de Transporte, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, defendeu a criação da usina de Belo Monte. Para o ministro, a mobilização de ONGs (Organizações Não Governamentais) contra a construção de usinas hidroelétricas é uma tentativa de barrar a utilização de energia limpa.
"Somos atropelados por gênios que querem nos impedir de construir hidrelétricas, que são fontes de energia mais limpa", afirmou.
Lobão disse também que há muita desinformação em relação ao processo de construção das hidrelétricas no Brasil e que há uma tentativa por parte das ONGs de denegrir o projeto brasileiro. Segundo o ministro, é comum representantes dessas organizações se infiltrarem em seminários sobre o assunto apenas para tumultuar os debates com informações errôneas sobre o assunto. "O Brasil tem 340 mil ONGs e desconfio que pelo menos 300 mil não têm interesse para a sociedade", afirmou.
O ministro atribuiu as manifestações contrárias a Belo Monte como "inveja, porque o Brasil avança firmemente em direção ao seu destino". Segundo Lobão, hoje o Brasil é a sétima economia mundial e "avança para ocupar o 4º ou 5º lugar."
Fonte: Luis Nassif Online, em 29/11/2011


Só tenho uma declaração para esses comentários: um ministro que, ao invés discutir seriamente uma questão desse porte, utilizando argumentos com fundamento, prefere ironizar e por em dúvida a honestidade e a capacidade intelectual dos seus opositores, perde totalmente a moral para falar algo. Além disso, acreditar que ser uma das primeiras economias mundiais já é o bastante, esquecendo que o Brasil ainda ocupa a 84ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre 187 países, mostra que seu interesse não é o desenvolvimento do país, mas sim, em números, para iludir a população. Não posso dar crédito a uma pessoa que faz declarações do tipo. Porém, infelizmente, muitos que estão no poder pensam como ele e, enquanto estiverem, rumaremos ao fracasso em poucas décadas. 

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