quarta-feira, 14 de março de 2012

A reforma do Código Florestal Brasileiro: um avanço ou um retrocesso?

Manifestantes fazem protesto contra reformulação do Código Florestal. Fonte: Estadão.com.br

Em algum momento dos últimos meses, você deve ter ouvido falar sobre o Código Florestal brasileiro. Se tiver prestado o mínimo de atenção às notícias, deve ter ouvido falar, também, que alguns políticos pretendem mudar alguns pontos do Código. Provavelmente, ao ver tais notícias, você deve ter notado repetitivamente palavras como "polêmica", "protesto", "agricultura familiar", ente outras. Mas, afinal, você sabe o que gera tanta polêmica ao redor desse tal "Novo Código Florestal"? E, se sabe, de que lado da história você está?

Vamos às informações: Aldo Rebelo, em 11/05/2011, na época ainda deputado, apresentou a versão final do relatório do novo Código Florestal. De lá para cá, o texto foi votado na Câmara dos Deputados, seguiu para o Senado, onde recebeu alumas alterações, vai voltar para nova votação na Câmara e, por fim, seguirá para ser aprovado pela nossa Presidente, Dilma Rousseff. A causa da polêmica é a "briga" entre ruralistas e ambientalistas: enquanto que os primeiros, predominantes no cenário político brasileiro, querem um Código Florestal que atenda a seus interesses no campo, ambientalistas acreditam que aprovar o Código, do jeito que está, será um enorme retrocesso em nossas políticas ambientais. Para ver quais alterações ao Código foram encaminhadas à câmara, clique aqui.

Vamos analisar alguns dos argumentos de ambos os grupos: Aldo Rebelo defendia mudanças no Código Florestal dizendo que, sem alterações, o Código atual ameaçaria nossa produção de alimentos. Vejo este argumento sendo repetido por muitas pessoas favoráveis às mudanças. No entanto, Luiz Antonio Martinelli, Carlos Alfredo Joly, Carlos Afonso Nobre e Gerd Sparovek, das universidades de São Paulo, de Campinas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz, respectivamente, produziram um artigo (que pode ser visualizado aqui) em que afirmam:

"A área ocupada com alimentos consumidos diretamente pela população tem diminuído e existe uma área significativa ocupada por pastagens ineficientes. Além de ocupar uma área maior, a produção de soja e cana-de-açúcar concentra-se em grandes propriedades, enquanto a produção de culturas destinadas à alimentação como arroz e, especialmente, mandioca e feijão são produzidas em pequenas e médias propriedades".

Isto significa que o Brasil tem território suficiente para aumentar seus números na produção de alimentos, sem derrubar mais uma árvore sequer. O problema é que muitas dessas áreas são ocupadas com a produção de soja e cana-de-açúcar, que não são culturas voltadas para a alimentação dos brasileiros. A soja, por exemplo, é destinada em boa parte para produzir ração animal. Não acredite, portanto, que a fome acabará no Brasil desmatando mais. O que vão aumentar serão as plantações de soja e cana-de-açúcar, o que será útil para aumentar ainda mais a renda dos grandes agricultores, apenas.

Segundo os autores, o grande "vilão" da produção de alimentos no país é a falta de acesso à financiamentos para pequenos agricultores, além do fato de que quase 800 mil proprietários não possuem o título de suas terras. Neste ponto, entramos em outro argumento dos favoráveis ao novo Código Florestal: a descriminalização dos pequenos agricultores. Estes seriam os maiores prejudicados do Código atual, visto que ao praticarem uma atividade ilegal, como ocupar uma APP (Área de Preservação Permanente), receberiam multas exorbitantes, ficando impossibilitados de pagá-las. Nesse sentido, o novo Código seria um apoio à agricultura familiar, principalmente.

Convém lembrar que, como já foi provado aqui e por diversos outros especialistas, o que falta aos pequenos agricultores é, principalmente, apoio financeiro e falta de assistência técnica por parte do governo, já que já existem terras suficientes para plantio,porém aproveitadas, no Brasil. Portanto, a solução não é perdoar os que desmataram ou permitir mais desmatamentos, mas sim, investir na agricultura familiar. Outro dado curioso pode ser visto no quadro abaixo:
Fonte: Folha.com

Os números são monstruosos, isso é fato. O que quero destacar da imagem é este dado: "307 mil hectares foram desmatados pelos 103 maiores produtores multados no país". Isso representa a maior parte da área desmatada, como também pode ser conferido na imagem. Vejamos: Os 103 produtores mais multados desmataram 307 mil hectares. Certamente, pelos números, não são pequenos produtores, já que estes são responsáveis, sozinhos, por 93,6% do desmatamento. Sendo assim, os maiores beneficiados por essa anistia ambiental sugerida no no Código serão os pequenos agricultores, ou os grandes desmatadores do país?

Veja algumas das questões levantadas pelos que são contra ao novo Código Florestal. Esses pontos são comuns aos textos votados pelos senadores e deputados, sendo assim, não estão mais passíveis de discussão pelos políticos:

ANISTIA AMBIENTAL

1 - Áreas de preservação permanente

Mantém ocupações agropecuárias ilegais ocorridas até julho de 2008 em beiras de rio e nascentes, exigindo a recuperação de, no máximo, metade das áreas que hoje deviam estar conservadas e que, segundo a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, causará impactos severos a nossas fontes de água (§4°, Art. 62).

2 - Reserva Legal

Desobriga a recomposição de áreas de Reserva Legal ilegalmente desmatadas até julho de 2008 em imóveis rurais até quatro módulos fiscais. Como não assume o conceito de agricultura familiar, esse dispositivo permite um proprietário que possua duas ou mais propriedades de 4 módulos seja anistiado. Nessa anistia, serão dispensados de recuperar a RL, segundo o IPEA, um total de 4 milhões de imóveis, com uma área total de 135 milhões de hectares (Artigo 69).


REDUÇÃO E AMEAÇA DE APPs E RESERVA LEGAL

Reduz e Ameaça a APP, visto que, segundo estudo da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), anexo, as Áreas de Preservação Permanente (APPs) de cursos d’água devem ser consideradas desde o seu nível mais alto em faixa marginal. As áreas existentes entre o menor e o maior leito sazonal (as várzeas, os campos úmidos, as florestas paludícolas e outras) devem receber na Lei o mesmo status de proteção de APPs, pois sua conservação garante a manutenção de funções ambientais essenciais. A floresta amazônica terá sua proteção diminuída, com suas imensas várzeas aberta a qual quer tipo de ocupação, prejudicando populações tradicionais que hoje as utilizam de forma sustentável. O Projeto privilegiaria interesses de grupos econômicos específicos contrários ao bem comum. A maior parcela das áreas úmidas brasileiras está desprotegida: com a mudança do cálculo das APPs ciliares do leito maior para o menor, as grandes várzeas e pantanais brasileiros ficarão desprotegidos. As áreas úmidas que podem vir a ser declaradas como APP teriam que ser desapropriadas! (Artigo 4).


ESTÍMULO A NOVOS DESMATAMENTOS

1 - Não há mecanismos para impedir mais desmatamento ilegal. O CAR (Cadastro Ambiental Rural) está fragilizado (prevê apenas um ponto de amarração geográfica). Não há sanções novas contundentes (o artigo 52 é vago e insuficiente). 2 - Há tantas exceções que será difícil saber a regra: a governança dessa nova legislação será para lá de complexa, pois são tantas as situações para as quais há regras diferentes que será impossível monitorar com eficiência. O Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), que ainda está longe de ser consolidado, terá um desafio muito acima de sua capacidade atual e mesmo futura no médio prazo."


Apesar de todos os pontos negativos, o texto aprovado no Senado amenizou algumas questões, melhorando em alguns aspectos as mudanças feitas pelos deputados. No entanto, o atual relator do Código Florestal, Paulo Piau, pretende fazer algumas modificações novamente, para que o texto seja votado na Câmara dos Deputados. Uma tabela comparativa dessas mudanças pode ser visualizada aqui, no entanto, gostaria de destacar alguns trechos:

"Art. 27. A supressão de vegetação nativa para uso alternativo do solo, tanto de domínio público como de domínio privado, dependerá do cadastramento do imóvel no CAR, de que trata o art. 30, e de prévia autorização do órgão estadual competente do Sisnama.

§ 1º Compete ao órgão federal de meio ambiente a aprovação de que trata o caput deste artigo:

I – nas florestas públicas de domínio da União;

II – nas unidades de conservação criadas pela União, exceto Áreas de Proteção Ambiental;

III – nos empreendimentos potencialmente causadores de impacto ambiental nacional ou regional;

IV – quando existirem espécies ameaçadas de extinção, que constem de lista federal
O que muda:

Excluído inciso IV do 1º parágrafo do artigo 27.
Art. 28. Nas áreas passíveis de uso alternativo do solo, a supressão de vegetação que abrigue espécie da flora ou da fauna ameaçada de extinção, segundo lista oficial publicada pelos órgãos federal ou estadual ou municipal do Sisnama, ou espécies migratórias, dependerá da adoção de medidas compensatórias e mitigadoras que assegurem a conservação da espécie.

Parágrafo único. Na hipótese de existência de espécie ameaçada de extinção, que conste de lista promulgada pela União, é obrigatória a oitiva do órgão ambiental federal.
O que muda:

Alteração: Excluído parágrafo único do Art. 28.
Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

IV – as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água, qualquer que seja a sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;
O que muda:

Trocou integralmente o parágrafo 4º pela versão da Câmara.

§ 4º Nas acumulações naturais ou artificiais de água com superfície inferior a um hectare fica dispensada a reserva da faixa de proteção prevista nos incisos II e III do caput.

Fonte: O Eco.

Me revolta o fato destes senhores não saberem o que é uma espécie ameaçada de EXTINÇÃO. Sim, pois só não sabendo o que significa o termo para escrever algo do tipo no Código. Uma área que abriga uma espécie ameaçada deve receber todos os cuidados possíveis, e anular a obrigatoriedade de oitiva do órgão ambiental sobre a área ser explorada que contenha esta espécie é um absurdo sem tamanho. Não se brinca com espécies ameaçadas, com a nossa biodiversidade. Dizer para adotar medidas compensatórias não basta. Quanto às acumulações naturais ou artificiais de água, só para constar, um hectare equivale a 10.000 m². Quase nada, não é? É o que pensam nossos deputados. É uma área insignificante que nem necessita de proteção.

Recomendo que vocês leiam todas as alterações ao Código Florestal que linkei durante o texto. Não as coloquei direto no post, pois ele ficaria muito extenso, mas sua leitura é essencial para entender a dimensão do problema aqui relatado.

Para finalizar, mais uma vez, gostaria de bater na mesma tecla: leiam, se informem antes de opinar. O que mais ouço é gente dizendo que "os ambientalistas ficam fazendo protesto porque querem atrasar o Brasil", "porque têm interesses internacionais", etc. Sinceramente, basta de teorias de conspirações, não? Não são nada inteligentes e não possuem sentido algum. Fazer uma argumentação válida, com uma visão bem fundamentada, mesmo que contrária a visão de outra pessoa, possibilita uma discussão saudável. Com uma pessoa que fica se prendendo à conspirações, não há como nem iniciar um debate: há uma defasagem muito grande de conhecimento sobre o assunto, por parte desta pessoa.
Não vejo como o Brasil pretende se desenvolver, desta maneira, derrubando e queimando mais e mais florestas. Não é visível que, ao invés de crescer, estamos derrubando e queimando nossas riquezas? E tudo isso sem nem ao menos conseguir desenvolver o país? O que será de nós quando nossas matas se resumirem à fragmentos? Posso garantir a vocês que, se seguir esse caminho, o Brasil estará muito, mas muito longe de ser uma potência mundial como tanto almeja.

Saiba mais:

-Propostas e considerações da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Academia Brasileira de Ciências (ABC) acerca da reforma do Código Florestal (PLC 30/2011)

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