segunda-feira, 18 de junho de 2012

Carta aberta à mídia brasileira


Caros profissionais da mídia brasileira,

Creio que os senhores ouviram falar da greve que está ocorrendo em instituições federais por todo o país. Andei lendo algumas notícias divulgadas pelos senhores e cheguei à conclusão de que sabem vagamente sobre o assunto. No entanto, gostaria de aproveitar o espaço do meu blog para esclarecer alguns pontos cruciais sobre o assunto e que, curiosamente, não foram abordados pelos estimados profissionais.

Primeiramente, nós, alunos das universidades federais, não somos os coitadinhos que estão sem aula graças a falta de vergonha na cara dos professores de não querer trabalhar. Apreciaria muito se os senhores parassem de destacar tanto nas notícias o fato de que milhares de alunos estão sem aula, ficarão sem férias, estudarão até o Natal, etc., até porque a grande maioria dos alunos não está preocupada com isso. Não dramatizem algo que não é dramático. A imensa maioria dos alunos apoia o movimento grevista. Não acredito que seja tão difícil comprovar tal fato: peguem 10 alunos, aleatoriamente, em qualquer universidade, e comprovem isso. Não entendo o porquê de tanta insistência em criar uma novela com vilões e mocinhos, em cima de um assunto tão sério e legítimo, que merece uma discussão aprofundada. Ou melhor, até entendo o porquê: novelas dão mais audiência! Mas, por favor, deixem os contos de fadas para as novelas de verdade, e dediquem-se aos assuntos sérios de maneira imparcial e responsável.

Em segundo lugar, as paralisações são legítimas. São resultantes de meses à espera de um acordo que nunca foi cumprido, de reuniões canceladas pelo governo, em uma tentativa de adiar ainda mais o cumprimento de promessas feitas em 2011. Não custa nada destacar, ao menos, a principal reivindicação dos professores: a revisão do plano de carreira docente. Ao invés de criar um caos que não existe, destacando tanto que os alunos serão prejudicados, deem destaque às reivindicações, perguntem aos professores o porquê da greve, e mostrem ao público que ela foi o último recurso, a única maneira que a categoria encontrou para o governo brasileiro parar de fugir do diálogo. Deem destaque ao fato de que, mesmo que os alunos fiquem sem aulas agora, se a educação brasileira melhorar, a greve terá valido a pena.

Seria de bom tom, também, falar da greve dos servidores federais que reivindicam, entre outros pontos, o aumento do piso salarial. Estes são outros eternamente "enrolados" pelo governo federal, que demonstra, a cada dia que passa, não possuir o mínimo interesse pela melhoria da educação brasileira.

Falando em governo, creio que seja interessante divulgar o que ele tem feito com o ensino superior público, nos últimos anos. Não me refiro às ações exaustivamente divulgadas pelas propagandas do MEC na TV, em que todos os jovens carentes brasileiros aparecem felizes porque o governo construiu várias e várias universidades e institutos federais pelo Brasil afora, e permitiu que as camadas menos privilegiadas da população entrassem na universidade. Acredito que as pessoas gostariam muito de saber que o governo, nessa euforia de construir universidade, esqueceu de cuidar das que já existem e de dar uma base sólida para as novas que vêm surgindo. O resultado disso? Vejam o meu campus, pertencente à Universidade Federal de São Carlos, em Sorocaba: nossa biblioteca é pequena, muitos cursos não possuem a bibliografia básica, necessária para a formação, disponível nela; O campus sofre quedas constantes de energia, e praticamente todos os dias falta água; Muitos laboratórios não possuem os equipamentos mínimos para a execução de pesquisas e trabalhos; Alguns cursos não possuem sequer professores suficientes para dar todas as matérias, pois há muita demora na contratação destes; Falta verba para viagens técnicas e, acreditem ou não, no meu curso, para realizar a viagem principal deste, os alunos precisam tirar dinheiro do próprio bolso, ou não viajam. São R$ 430,00 que cada aluno deve pagar, se quiser realizar uma viagem que está prevista no plano pedagógico do curso. Infelizmente, não somos "filhinhos de papai", como as pessoas cansam de nos rotular. Eu moro em Sorocaba mesmo, e com isso elimino gastos com moradia. No entanto, muitos colegas meus dependem de bolsas para conseguir frequentar a universidade, como bolsa alimentação e moradia. Alguns ainda conseguem a bolsa, outros, mesmo em situação de comprovada carência, não possuem a mesma sorte, pois não há verba o suficiente para auxiliar estes alunos. Eis aí um dilema interessante: o governo fala tanto em acesso ampliado às classes mais baixas ao ensino superior, graças ao aumento no número de universidades e, no entanto, boa parte não consegue se manter em uma por muito tempo, por falta de condições financeiras e auxílio do governo. E assim, são poucos o que conseguem se formar ao final do curso. Isso não é mostrado na propaganda, creio que seria função do jornalismo mostrar tal realidade e alertar a população de que o sucateamento do ensino superior público já começou.

Meu campus, porém, é novo. O campus da Universidade Federal de São Paulo, em Guarulhos, é um exemplo do que passam as universidades anteriores ao "milagre da multiplicação" das vagas no ensino superior: não há laboratórios de informática suficientes, não há restaurante ou moradia universitária. Há tantos alunos, que as salas de aula não são capazes de comportá-los. Chegou-se ao ponto de emprestar salas de uma escolinha de educação infantil, municipal, para que os alunos pudessem assistir às aulas. Compreendo que seja mais interessante mostrar à população os alunos como violentos, baderneiros, inimigos da polícia em suas manifestações. Afinal, como já disse, criar uma novela dá mais audiência do que simplesmente mostrar a triste realidade da educação brasileira. No entanto, é uma atitude inaceitável por parte de profissionais formadores de opinião.

Peço, apenas, um pouco mais de seriedade ao informar o público sobre a situação da educação brasileira no geral, não só no ensino superior. Não queremos que fatos sejam omitidos, depoimentos sejam manipulados ou dados exagerados nos noticiários brasileiros a respeito da greve dos docentes. Queremos, acima de tudo, que a população saiba o porquê de tantas universidades em greve, por todo o país. Ninguém está com preguiça de trabalhar ou estudar. Estamos, na verdade, cansados com tanto descaso do governo pela educação brasileira. Por favor, informem isso às pessoas, sim?

Atenciosamente,

Silvania Goularte Correia


Saiba mais:
- Greve nas universidades federais

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